sábado, 10 de dezembro de 2011

Como superar a barreira do não saber, para entender que se tem direito de saber? Como romper os “favores” e mostrar que é “direito garantido”?


Por Lilian Cláudia Nascimento
Negra sim! Sobre a minha cabeça: tranças, cachos, cores, pixaim ou alisado. Na pele tons e sobre tons de um povo de luta. Negras, mulatas, mestiças. Sabores e dissabores dos encontros e desencontros em uma sociedade em estado de consolidação da democracia. A afirmação da história de lutas e conquistas, após quinhentos anos de escravidão, mostra a importância da mobilização e a construção de espaços nos quais haja a expressão pública de interesses como resultado de um processo democrático. A formação de espaços de expressão artística, literária, política engendrada na raiz da sociedade brasileira fez emergir modos de vida que permeiam nosso cotidiano. “Fazer movimento”, provocar discussões e debates, reflexões e invenções de como ser e estar no mundo, na vida de relações; contribuindo na constituição de uma nação de cores e sabores. Sim, sabores, prazer, porque é um prazer ser de pele preta e de sangue zumbi.
No mínimo são três os motivos da vida: realização pessoal, reconhecimento de sua história e seu saber, e sentir prazer de viver. Nesta luta diária, mulheres desejam viver dignamente e serem respeitadas como se apresentam em sociedade.
Entorpecidas pelo pensamento mágico da democracia, mulheres negras acreditam na possibilidade de serem “livres”. E foram ao trabalho fora do lar, que passaram a escolher outros modos de vestir, falar e viver! Num sopro de liberdade alcançaram patamares elogiáveis de autonomia e desempenho. Na dobradura do cotidiano vem o choque com os atrasos que a sociedade assimilou, mas ainda não transformou. É livre, a mulher negra, mas agrega em torno de si um arcabouço de simbolismo e sujeições, resquícios de um papel desempenhado outrora, mas que faz perpetuar uma subalternidade. Há um governo micropolítico de seu estado de ser livre, delimitando o espaço que deve ocupar por liberdade. Por assim dizer: uma liberdade assistida?
Como avançar na luta diária pelo respeito e dignidade à mulher negra sem considerar o curso de nossa história?
Para Hasenbalg o escravismo não deixa de ter seu papel na estrutura racista impregnada na sociedade moderna, como o analfabetismo como herança. Este precisa ser desvinculado da vida atual para se criar novos rumos frente a um racismo intolerável, mesmo que por vezes camuflado e sombrio.
É preciso empenho na leitura da realidade. Compreender as micropolíticas do cotidiano. Por vezes o racismo estampado no número de pacientes em busca de alento por estresse e parcas condições de trabalho, mães negras aceitando expulsão dos filhos das escolas por “indisciplina” sem devida participação na gestão escolar; dentre tantas mazelas cotidianas devido ao acesso restrito ao conhecimento. Como oportunizar o conhecimento para aquele que aprendeu a ser tutelado? Como empoderar aquele que espera ser medicalizado, porque assim sempre foi atendido? Como superar a barreira do não saber para entender que se tem direito de saber? Como romper os “favores” e mostrar que é “direito garantido”?
A mobilização de pessoas que se permitem encharcar-se da história negra, de lutas e constantes desafios econômicos, sociais, morais, religiosos, de tantos outros faz emergir coletivos políticos. Com o processo de abertura política dos anos oitenta, organizações vêm se configurando e dando voz e vez de modo articulado ao segmento de mulheres negras. E neste caminho deve-se perseverar. É preciso valorizar o grupo, o outro e romper o isolamento. E assim é construído um caminho para transformações sociais.

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