sexta-feira, 29 de julho de 2011

Questão de Ordem

Há alguns dias encontrei uma velha conhecida. Ela trouxe-me lembranças da época de faculdade, das correrias dos seminários e dos encontros e desencontros marcados pelas diferenças de gênero, raça, condição social, dentre outros aspectos de nosso cotidiano. Estávamos numa audiência pública sobre Feminilização da Pobreza e o assunto de nossa conversa não poderia ser diferente. Enviou-me no dia seguinte uma decisão do PROCON Vitória em resposta a sua reclamação contra uma propaganda de cerveja: “É pelo corpo que se reconhece uma verdadeira negra” . Fiquei orgulhosa por sua coragem ao reclamar tamanha desonra à mulher negra. Afinal havíamos ouvido um relato de pesquisa proferido pela Diretora-Presidente do Instituto Jones dos Santos Neves quanto aos Aspectos da Pobreza e Vitimização feminina. Dados nos quais registra-se que 27% das mulheres com idade entre 16 e 24 anos no estado do ES não estudam e nem trabalham; que 46,9% destas mulheres possuem filhos; e que 75% são pobres. E mais, a gravidez na adolescência chega a 18% do total de mulheres. Será que é difícil imaginar o quanto uma propaganda como esta da cervejaria torna nossas vidas ainda mais desafiadoras? Se ainda é difícil imaginar, a pesquisa ainda afirma que aumentou expressivamente o número de mulheres encarceradas. Em 2003 havia 300; em 2010, 1200 mulheres encarceradas. Este assunto efetivamente mexe com nossos brios e dignifica ações não só de solidariedade, mas de enfrentamento às mazelas de uma sociedade que permite o veicular uma imagem que desqualifica a mulher, deixando-nos ainda mais vulneráveis frente aos nossos afazeres e papéis de responsabilidade social, cultural e econômica.
Em defesa, a empresa reclamada afirma que “Discriminatório e preconceituoso é achar que o negro está sempre sendo perseguido e tratado de maneira diferente, quando não está. O preconceito, muitas vezes, está somente na cabeça de quem vê uma propaganda ou uma peça criativa qualquer.”
A dignidade da pessoa humana neste relato não passa de uma paranóia?! Onde está o direito humano, o direito de cidadania, respeito do consumidor?
É urgente a formulação de políticas que promovam o ser humano em detrimento da comercialização de corpos.
A fiscalização do Procon considerou a publicidade utilizada pela cervejaria e publicada nas datas de 28/11/2010 e 05/12/2010 abusiva e tomou as devidas providências.
Um episódio como este deve ficar registrado em nossas memórias para além de mais uma notícia. Devemos exercitar nossa cidadania todos os dias e mantermo-nos alertas a estas micropolíticas que nos entorpecem.

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